16.8.15

Conectados - 3ª Parte


                Prozac virtual

                Na Coreia do Sul, um dos países mais conectados do mundo, a dependência de internet e, sobretudo, de jogos de computador é um problema que já virou questão de saúde pública. O Brasil ainda não se aproximou desse nível, mas os especialistas andam atentos. Estima-se que por volta de 10% dos usuários de internet sejam "dependentes". No Hospital das Clínicas de São Paulo já existe um grupo de apoio para quem tem dificuldade de se desconectar.

                O celular facilita o namoro dos tímidos

                "Os frequentadores são pessoas de classe média, com muito estudo, mais homens que mulheres, que abrem mão de tudo para estar na internet", afirma Dora Sampaio Góes, integrante do grupo do HC. Para eles, o mundo real é mais sem graça, difícil e imprevisível. Nos jogos eletrônicos, o que acontece ao personagem não afeta a pessoa na vida, de modo que ela se sente mais segura em arriscar. "O jogo acaba sendo um Prozac virtual, um modulador de humor. A pessoa passa a ficar mais calma, mais centrada na internet, porque se desconecta do mundo real", explica Dora.

                A psicóloga alerta que a adolescência em si já é um fator de risco para a dependência, principalmente quando o jovem não tem uma vida social satisfatória nem apoio familiar. É essencial ficar atento caso a quantidade de tempo na internet ou a conexão a algum dispositivo de comunicação interfira nas atividades do dia a dia.

                A tecnologia não é causadora da dependência. Nesse caso, geralmente o paciente já pode ter algum problema de ordem afetiva. "Não acho que a tecnologia em si seja o fator principal, mas favorece. Afinal, não haveria dependência de internet se ela não existisse. Porém, essa pessoa poderia ter algum outro tipo de transtorno do impulso", afirma Dora. Os problemas que surgem como indicadores da dependência de internet são: depressão, fobia social, déficit de atenção e hiperatividade.

                Outro fator que agrava o quadro é o barateamento da internet 3G. Segundo a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), os acessos por essa tecnologia aumentaram 90% entre 2010 e 2011. "O 3G contribui muito para a dependência de internet e pode gerar maior dependência de celular.

                No último caso, a pessoa não consegue desligar o aparelho nem parar de ver se há um torpedo ou e-mail novo", diz Dora. Não por acaso, neste ano, o intuito é abrir, no HC, um grupo de apoio à dependência de celular. De modo geral, as dependências do telefone e da internet são parecidas, embora independentes.

                O dependente de conectividade passa o dia inteiro ligado à internet, pondo em risco o emprego, burlando as normas da empresa, faltando à escola ou abrindo mão de atividades como academia, jantar com amigos, etc. "Com o celular, o estudante, por exemplo, vai à aula, mas só de corpo presente", conta Dora.
- 29% dos internautas brasileiros entre 14 e 17 anos têm um smartphone
- Na Coreia do Sul, a Lei Cinderela estabelece que nenhum jovem pode jogar videogame durante a madrugada. A medida governamental é uma tentativa de combater o vício nos jogos de internet.
- 53% dos usuários de celular do Reino Unido sofrem de nomofobia, abstinência de celular (no mobile, em inglês)
- Nos Estados Unidos, os jovens preferem o celular a carros. Já dirigem menos que os da geração anterior, de baby boomers.

                Para ter um relacionamento saudável com os aparelhos eletrônicos, é preciso manter satisfações fora da internet, como praticar um esporte, cultivar amigos e conviver com a família. O propósito das tecnologias de comunicação deve ser facilitar o contato com outras pessoas, complementando as relações já existentes.


                Nas escolas

                Muitos professores estão preocupados com a hiperconectividade dos alunos. Mas especialistas alertam que não adianta proibir o celular em sala. Afinal, o aparelho pode vir silencioso nas mochilas e nem se perceber que o aluno está se comunicando com outros fora do ambiente escolar. "O ideal seria usar o celular como instrumento de apoio ao progresso de ensino", afirma Maria Elizabeth Almeida, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Novas Tecnologias da Faculdade de Educação da PUCSP. Para ela, o celular só atrapalha o aprendizado porque não está devidamente incorporado às atividades pedagógicas.

                No Colégio Bandeirantes, em São Paulo, o celular só é proibido na hora da prova. Em sala de aula, a decisão é do professor e cabe a ele usar a criatividade para elaborar atividades em que o aparelho seja um aliado do ensino. A coordenadora de psicologia educacional Cristiana Mattos Assumpção relata que em uma aula de biologia sobre hormônios um aluno esclareceu uma dúvida da sala se comunicando com a mãe via torpedo. A rapidez com que as informações podem ser acessadas é uma das vantagens. Em outro caso, uma professora de física utilizou um aplicativo de celular que monitora suas corridas diárias para auxiliar o aprendizado. "O contato dos professores e alunos nas redes sociais também é uma grande vantagem, pois aproxima a escola da sociedade e traz o cotidiano para a aula. Essa integração, em termos educativos, é muito importante", ressalta Maria Elizabeth.

                Mas as novas tecnologias e adolescência podem resultar em uma combinação problemática. Por isso, é importante uma conscientização sobre o uso. É típico da juventude testar os limites, e cabe aos educadores, pais e professores impô-los. "Desde 2007, damos o curso de ética e cidadania digital. São três aulas anuais em todas as séries. Discutimos os temas mais populares entre eles, como identidade, privacidade, autocontrole, bullying, uso responsável de celular e cuidado com a imagem", conta Cristiana.

                Os resultados não são imediatos, mas em longo prazo o colégio colhe bons frutos. Os professores perceberam que os alunos estão mais conscientes. Anteriormente, se expunham demais nas redes sociais. A conscientização sobre esse excesso fez com que compartilhassem informações com mais cuidado. Muitos ex-alunos tentam disseminar o conhecimento e levar o método para as faculdades. Outro tópico é ensinar o aluno a sair da superficialidade e pesquisar a fundo os assuntos. "Temos de mudar cada vez mais nossas estratégias para tornar o aluno mais participativo", diz Cristiana.

                Segundo Maria Elizabeth, um fator essencial para melhorar a integração com as novas tecnologias é a formação dos professores. "Eles precisam compreender as potencialidades e contribuir para o aprendizado", ressalta. "A tecnologia em si não vai fazer a diferença. O aluno sabe usá-la para brincar. Cabe a nós convertê- la em algo educativo, sem torná-la chata", conclui Cristiana. Todas as gerações precisam de orientação e a juventude atual não é diferente. "Tem gente que usa o Facebook para encontrar pessoas, e não para ficar atrás da tela. A ferramenta é legal, o que as pessoas fazem com elas é que gera problema", finaliza Dora.

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